domingo, 19 de abril de 2009

Muito de Mim II

O ser humano é mutante e essa condição é que nos dá a possibilidade de evoluir, não aceitando “ad eternum”, verdades, normas, conceitos, fundamentos, etc... que o tempo e a vida conseguem nos mostrar que devem ser reformulados.

Assim se deu comigo, no decorrer da vida, até meus 39 anos, com relação ao meu pai. Sempre analisei o seu relacionamento comigo e com minha mãe, sob a forte influencia da família dela que realmente não queria saber dele! Era temido por todos.

Às portas dos meus 40 anos, entrei numa forte crise existencial e ao contrário do que senti sempre agora, só queria saber dele. Mas como? Estaria vivo? Aonde? Esse período da minha vida é bonito para mim, embora doloroso e se o fosse relatar agora, jamais chegaria ao ponto onde quero chegar depressa (o aeroporto, lembra?)


Fiz mil manobras, sem a ajuda de quem quer que seja e cheguei a minha tia, a irmã mais nova dele. Essa tia, por toda sua vida, julgava-se a maior vítima do que foi feito com ele. Ela e minha avó controlavam tudo da vida dele com relação a minha mãe e a mim, inclusive a correspondência que vinha de Portugal para minha mãe, era recebida por elas e entregue já aberta, pois vinha sempre dentro do mesmo envelope em que vinham as cartas para elas.
A interferência da família dele na vida dos meus pais foi responsável pela separação de ambos e pela animosidade que surgiu entre o casal.
Quando fui procurá-la, sabia que poderia ter uma grande decepção se ela não fosse sincera comigo, escondendo mais uma vez tudo sobre ele e obstando o que eu precisava saber para encontrá-lo. Mas, desta vez foi tocado o seu coração e ela me falou tudo.

Depois de hora e meia de conversa entre nós, sem se tocar no nome dele, ela me perguntou: Aidinha, você não quer saber nada do seu pai?
Meus olhos não seguraram as lágrimas e apenas disse – quero, mas tenho medo.
Ela, adivinhando a resposta que eu temia, respondeu – ele está vivo.
Aí, foram lágrimas de alívio e alegria. Foi um sentimento como o de se recuperar um tesouro perdido, ou encontrar a salvação diante de uma ameaça.
Ela me disse onde ele estava e porque estava tão escondido. Estava na Libéria, escondido da Interpol e de Salazar. De posse do seu endereço, imediatamente escrevi a ele uma longa carta contando tudo da minha vida e perguntado muito sobre ele.
A reposta chegou no dia 29/06/1973, dia de São Pedro e São Paulo, por um emocionado telegrama, ressalto, enviado para minha tia, que de pronto me ligou e leu-o para mim. Foi uma choradeira geral, nunca ninguém acreditou no sucesso dessa minha busca.


AGORA EU TINHA PAI!!!

Resgatei a cura para o mal que havia dentro de mim e que, antes disso, nunca tinha conseguido identificá-lo. Foi uma cura de alma!

Agora, passando ao largo de tudo quanto aconteceu nesses seis meses de correspondencia, chego aos 23/12/1973, quando ele chegou a nossa casa.
Até então, esse homem era um mito para os meus filhos e para os mais da família, que não o conheceram e tão pouco conseguiam entender o que realmente aconteceu. Daquele momento em diante, ele passou a ser uma pessoas como outra qualquer.


Era o meu pai e o vovo.

Quando ele não me deixou ir até lá, dizendo que ele viria porque assim poderia ver a todos, fui tomada por uma tremenda angustia, com medo de que ele fosse pego aqui, pois vivíamos os nossos duros anos de chumbo e seu nome, sem duvida, figurava, ainda, na lista negra dos inimigos do nosso regime.
Ele não me disse nada a respeito de como viria! Eu imaginava mil artifícios dos quais ele lançasse mão para chegar aqui, são e salvo, até que chegasse de carroça a nossa porta, disfarçado, com uma possível entrada por outro país sul americano, pensei mil coisas, mas não atinava!

No dia 23/12/74, como já falei, lá estava ele, dentro da nossa casa. Entrou tranquilamente pelo Rio de Janeiro e em voo doméstico veio para São Paulo.


Passadas as primeiras 48 horas nas quais eu apenas fiquei olhando para ele, boquiaberta, registrando todos os seus movimentos, suas falas, sua postura, tudo, consegui me recuperar de tanta felicidade.

Daí, era minha vez de interromper, perguntar, contar, comparar, lembrar datas, pessoas, fatos, enfim a nossa vida atrasada durante 36 anos de separação.
E perguntei, então,como ele conseguiu entrar com tanta facilidade no Brasil, sem ser minimamente molestado.


Calado, foi buscar seus documentos e mostrou-os a mim. Não era Cypriano da Cruz Affonso, mas JOSÉ REBELLO. Que coisa incrível como aquilo me incomodou! E ele me disse – o que é que tu querias, que eu arriscasse a pele mais uma vez e tentasse entrar aqui com minha verdadeira identidade? Filha, seria preso no ato e talvez voces nem me vissem mais! Concordei, claro, mas o documento perfeito me impressionou. Mais uma pergunta, para saber como ele havia conseguido aquela falsa identidade, ao que me surpreendendo mais uma vez, riu à vontade e disse: eu mesmo a preparei. Era de um amigo meu, que quando veio a falecer, a sua família me deu todos os documentos dele, exatamente para uma necessidade como a que tive agora.
É! Coisas de companheiros, sem dúvida! Pensei.


Bem, agora já estava aqui e pronto! Nada de ficar encucada com “pormenores” de somenos importância...rsrsrs

Passamos um Natal maravilhoso e cheio de emoções.


Já tínhamos combinado de em seguida viajar para Vitória, onde alugamos uma casa em Vila Velha, num morro, linda, frente para o mar. Todo mundo fez a cabeça dele e ele acabou cedendo e foi também conosco para lá. Porem impôs uma condição, porque iríamos de carro e ele achou que era muito a enfrentar. Mil quilômetros espremido num carro, bagagem, criançada, paradas, não. Voces vão na frente e eu vou com a minha filha de avião, fazemos os nossos horários de um jeito que quando lá chegarmos vocês estejam no aeroporto a nossa espera.

Muito bem. Todo mundo achou ótimo.

Enfim eu teria umas horinhas sozinha com meu pai e poderiamos falar pelos cotovelos!
Foi o que fizemos.

Embarcamos em Congonhas com destino ao Galeão. Lá, fizemos o nosso check-in, despachamos a bagagem e, tranquilos, enquanto esperávamos o embarque para Vitória, pudemos papear.

Nesse dia, o Galeão estava tão cheio, que no saguão onde esperávamos, todo mundo estava espremido. Não seria possível abaixar-se normalmente, para pegar do chão algo que caísse, pois na certa, com o efeito cascata derrubaríamos um monte de gente. Ali, era um vozerio, misturado a todos os demais ruídos próprios do lugar e quem quisesse conversar, como nós, tinha mesmo que prestar atenção ao seu interlocutor. Nós dois, sempre falantes, naquela oportunidade, não deixamos por menos. Passado algum tempo, que nem sei precisar quanto, percebi que o saguão já estava mais vazio. Ué! Disse ao papai: será que esse avião não sai hoje? Que demora! Acho melhor irmos ao balcão perguntar o que está havendo.

Ao chegarmos lá o funcionário pegou a passagem do papai e disse: A! Então o senhor é o seu José Rebello que cansamos de chamar pelo alto falante! O senhor não ouviu? Foram umas quatro ou cinco vezes que o chamamos. Nós nos entreolhamos, uma vontade enorme de cair na risada, porque ele, o espertinho, se esqueceu que era José Rebello. Eu tinha obrigação de me ligar? O falsificador era ele! Quem estava usando documentação falsa era ele, então ficasse atento! É muito natural que Cypriano não atenda a chamada por José... Mas nós não perdemos a pose diante da turminha que queria nos ajudar a solucionar o problema que tínhamos agora.Não faz mal disse o papai. De fato não ouvimos a chamada, talvez pelo barulho, desculpe, mas agora já estamos aqui. O funcionário respondeu, mas o avião não está mais, foi embora, não podia atrasar tanto!
Aí, a nossa cara de paisagem, deve ter causado pena em todos que estavam ali por perto e começaram as sugestões. Era uma sexta feira. Próximo avião para Vitória só na segunda. Não havia telefone celular, a casa não tinha telefone e o único meio de comunicação se quiséssemos avisá-los, seria por telegrama. Alguém disse: porque vocês não vão de teco-teco? O papai estava atrás de mim, e logo a voz dele no meu ouvido, numa frase arrastada:- filha é “pirigoso!”. Fala um, fala outro, resolvemos ir de taxi. Foram mais umas 5, ou 6 horas de estrada e quando chegamos, todos já estavam deitados, mas dormir não conseguiam!


Era uma enorme preocupação sem saberem o que teria acontecido a esses dois patetas. A gozação dura para sempre. Até hoje não posso viajar de avião sozinha que logo vem a recomendação: -ve se vai ficar de papo lá com alguém e perder o avião, como fez com seu pai hein?! Nunca mais se esqueceram dessa mancada! Isso acontece para quem erra, mas fazer o que? Errar é humano.

Curti mais essas abençoadas horinhas com ele, falamos a viagem toda.
Sentado ao lado do motorista, ficava todo torto, virado para trás, segurando a minha mão.

Tudo que deve acontecer entre um pai e uma filha, de dezembro de 73 a abril de 74, vivi intensamente com ele. Inclusive nos desentendiamos quando ele queria fazer a minha cabeça, para que eu me filiasse ao partido comunista. Aí dava briga, porque por esse idealismo desmedido, é que eu e meus irmãos (filhos de outras duas mães), não o tivemos conosco.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Muito de Mim - Parte I

Comentei com alguém aqui dos nossos blogueiros, que neste meu espaço, falaria do meu “sempre”.
Falaria, então, da minha vida, do que ela me ensinou, do que até hoje tenho experimentando no corpo e na alma, pois nada melhor do que em determinado momento, parar calmamente, recapitular tudo com a tranquilidade de quem acredita que a tormenta passou.

É importante para mim que as pessoas com quem estou me relacionando virtualmente, e delas me aproximei pelas portas do “Curso Livre”, saibam muito de mim, porque as considero tão amigas/os como os que tenho na vida real.
Sinto que não deve haver entre nós uma comunicação longínqua e superficial, por ser o nosso convívio via Internet.
Já pude neste pouco tempo de blog spot, mostrar a todo mundo que sou um bocado brincalhona.
É verdade, mas quero que tenham a certeza do respeito que guardo por todos que até aqui tive ocasião de conhecer.

O Eduardo PL, teve que aguentar a gozação da sua ida equivocada ao aeroporto, mas o certo é que nós todos aprontamos coisas parecidas. A diferença é que alguns ficam caladinhos e não contam a ninguém o que aprontaram, desde que a arte lhes permita que se a esconda!
Afinal, errar é humano!
Quando lí o que ocorreu com ele, me veio à memória, meu pai e o que nós dois aprontamos no Galeão, em 1974.

Vou ao começo para não perder esta oportunidade de contar a todos um pedacinho da minha vida e porque tenho que o fazer, pois do contrário ninguém entenderia muito bem a nossa “história do aeroporto”.


Meu pai, portugues, nascido em Trás os Montes, Distrito de Bragança, norte de Portugal, veio para o Brasil com meus avós e os demais filhos, que eram muitos. Ele deveria ter no máximo uns cinco anos. Jovem ainda tornou-se comunista e ajudou a fundar o PC do B..


Este detalhe fiquei sabendo há menos de dez anos, através do seu prontuário, que busquei em vão anos a fio conseguir, mas que só foi possível, quando tornados públicos os documentos até então ocultados pelos governos autoritários que tanto nos castigaram. Os “inimigos do governo” como eram chamados os comunistas e os contrários ao governo fascista do Getúlio, perseguidos, presos, banidos, ou mesmo mortos pelo regime, foram vigiados incessantemente pela sua polícia, com destaque para o temido DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, que exercia o controle ideológico de toda a nação, censurando os meios de comunicação e exercendo um rígido controle sobre a opinião pública. Todos eles, “os inimigos do governo” que foram pegos, tem lá arquivado no Patrimônio Histórico de São Paulo, hoje integrado à Estação Pinacoteca, o seu prontuário, ou dossiê contando a nossa história. Está tudo arquivado no espaço físico, onde funcionava o DOPS - Departamento de Ordem Política e Social, que nos anos de chumbo, passou a ser o DEOPS, exatamente onde meu pai esteve preso e foi torturado, além de ter estado também no presídio Maria Zélia onde ficou por muito tempo.
Getúlio Vargas, então ditador, assinou a portaria de expulsão de meu pai, devolvendo-o para sua terra natal. Tudo o que ele fez, foi apurado pela polícia do Getúlio e consta do seu prontuário, de nº 208. Foto da capa, acima, ao lado. Atrás desse documento, dessa portaria, ando até hoje, mas nunca consegui saber como obte-la e ninguém sabe me informar aonde está.



Discordava, sua ideologia com a do ditador.
“Crime” que muitos cometeram e pagaram caro por isso. Ele ficou longe de Vargas, mas sob os olhos não menos vigilantes de Salazar, com quem logo se desentendeu e de quem teve que fugir. Por isso foi posta no seu encalço a INTERPOL.

Eu, na qualidade de filha e ainda muito pequena, perdi-o por obra e graça da sua ideologia política, e pela força de quem tinha mais poder. No entanto, toda a vida tive de meu pai, uma lembrança muito marcante quanto à sua figura (sempre o vi como um homem lindo!), mas quanto ao restante, fiquei sob os cordéis de comando de toda a família de minha mãe, que manipulava o meu inocente pensar quanto a ele, e na condição de verdadeira marionete, agigantavam-se e conviviam dentro de mim, como num efervescente caldeirão, sentimentos de perda irreparável, temperados pela saudade e envoltos em amor e ódio, com os quais eu não sabia lidar.





Nem tudo numa história de vida é só tristeza, ela, também teve reservados para nós, alguns doces bocados que vocês logo saberão, na continuidade deste relato que faço, com todo meu amor e claro, sob meu ponto de vista, porque esta vida que estou aqui relatando, foi também a vida de outras pessoas e por certo, cada uma a interpretou ao seu modo, conforme sua sensibilidade.





Logo retorno e conto mais.... Lisboa 1942




Aidinha



quarta-feira, 1 de abril de 2009

Foi assim o meu aniversário 2009


Para quem chegar aqui neste espaço, nada mais, nada menos
que eu mesma falando de mim.
Não é muito elegante, mas preciso repartir com voces todos
os momentos de felicidade que eu tive, ao preparar e viver
minha comemoração dos 77 anos que completei.

Ninguém imagina como eu estava feliz!
Tão feliz que essa sensação de felicidade e alegria ainda está comigo.

Meus tres filhos, os tres netos que estão aqui no Brasil e os demais
que amo também, cada um a seu modo, todos juntos, aqui, comigo.
O neto ausente ouviu o burburinho por telefone.
Assim, também estava presente.
Recordamos muito, falamos muito, demos boas risadas, e
penso que para nós todos, ficou uma lição que já aprendi e
tenho tentado passar para outros, sempre que posso.

Depois de tanta vida e de te-la vivido numa época
em que as mudanças, todas, fizeram do mundo um lugar
completamente diferente daquele de quando nasci, dentro
desta máquina de consumo em que foi irremediavelmente
transformado, sinto que nada satisfaz mais, que desfrutar do
convívio das pessoas que amamos e que o verdadeiro tesouro que
o mundo nos proporciona, está exatamente nessa troca de amizade,
de amor.

Quer coisa melhor que ver um sorriso estampado, escancarado no
rosto de alguém com quem voce se encontra e que há muito tempo não te via?

Esse alguém ficou feliz e te faz feliz também.

Um argumento que tenho usado para caracterizar essa situação,
é um horror, mas se cultivarmos as nossas relações poderíamos evitá-lo.

Vivemos um momento fúnebre, em que todos choram, ou calam-se
consternados, com a perda de um ente querido.
Ali, nos velórios e nos casamentos, é que vamos nos encontrar.

Pois é, voce está lá, na morgue, abatido, triste mesmo, quando de repente surge aquele parente que voce ama, mas que não ve há muito tempo.
Pronto, no impulso, abre os braços, sorri, fala alto festeja a chegada do outro,
até tomar um cutucão de alguém mais atento que te acorda para a realidade.

Já vi esta cena e já escutei esta frase: - cara, aqui não!
No casamento, voce vai, no enterro também, mas tirar umas horinhas,
até para um simples encontro em um café qualquer da cidade, encontrar-se
com pessoas que foram e são parte da sua vida e da sua história, a! Isso não dá.
Não temos tempo a perder.

Nesse nosso comportamento, tenho encontrado a maior falha
que cometemos contra nós mesmos.

Muito materialismo!
Certo, a vida é dura, mas é curta demais!
Se não soubermos embutir nela os ingredientes que nos fazem crescer,
como: saber cultivar uma boa amizade, ofertar um ombro acolhedor em certas
situações, calar para a oitiva generosa e difícil de ser ofertada, não somos nada,
não temos zelo por nossos laços com as pessoas e portanto, não seremos
completamente felizes e nossas vidas tornam-se vazias e secas.

Tenho tentado não imprimir essa importância toda a minha pessoa.

Quero ter tempo para os outros, curtir a família, os velhos e os novos amigos, tomar com eles cafezinhos por ai, pelos bares da vida, jogar conversa fora e amar, amar muito, amigos/as e os meus amores.

Por essa razão, no meu aniversário reuni pessoas que já não se viam há mais de dez anos.

Ouvi alguém dizer, “mas ela formou um grupo heterogeneo!” Será que vai dar?
Nunca deu tão certo. Conversaram, contaram, perguntaram,
brindaram e foi unânime o desejo de que outras vezes haja
encontros como esse.


Se depender de mim,
haverá sempre união, porque sei que nela encontramos sentido para nossas vidas.


Temos que ter um “porto” neste incomensurável Universo, sob pena de,
sem referencia, nos perdermos.